Sinopse
De um ônibus que chega no local de apresentação, saem três mulheres e uma musicista. Entram no espaço cênico carregando sapatos, um monte de sapatos. Nesse espaço, que pode ser desenvolvido em um parque, em uma praça pública, em um espaço de convivência, as três atrizes esboçam uma cartografia do deslocamento. Com os sapatos, criam um mapa indistinto, povoado por seres deslocados da terra natal, deslocados da sociedade atual. Os sapatos significam os migrantes, os imigrantes, os andarilhos, os errantes, as ausências, as permanências, as instabilidades, os caminhos. Seres em movimento – mais ou menos esquecidos, mais ou menos acolhidos – com seus rastros, fissuras e fronteiras.
Dentre essa distribuição cartográfica, essas figuras trabalharão textos e músicas que falarão dos temas atuais dos deslocamentos humanos e apontam para uma narrativa da reflexão. Refletem sobre o preconceito, sobre as categorias estanques e, sobretudo, sobre as respostas prontas.
Para tanto, pautaram o processo de quem vem de longe na experimentação de narrativas que, já em sua estrutura poética e multifacetada, evocam a também multifacetada trajetória de quem migra… ou de quem tenta migrar… para outra terra, para outra situação ou, simplesmente, para outro desejo.
Release completo
Sabíamos que o projeto Quem vem de longe teria como ponto de partida a questão do fluxo migratório recente e seus ecos e elos com as diásporas de nosso mundo. Sabíamos também que ele seria concebido para a rua e para espaços teatrais não convencionais, na esteira da história do grupo.
Em processo colaborativo, passamos a investigar quais possibilidades teatrais seriam capazes de tratar responsavelmente tal tema em tais espaços.
Uma “escritura na sala de ensaio” passou a ser esboçada a partir do encontro das propostas da direção, dramaturgia e atuação. Uma escritura que também foi afetada pelo convívio prolongado da equipe de Quem vem de longe com imigrantes e solicitantes de refúgio de dois centros de acolhimento da cidade de São Paulo.
Aos poucos, desse processo despontou uma “narrativa da conversação”, da reflexão.
Refletiríamos sobre as distâncias, sobre as diferenças, sobre o que significa “nós” e sobre o que significa “os outros”. Refletiríamos sobre as categorias estanques e, suspeitando das respostas prontas, aguçaríamos nossas perguntas.
Como não se apropriar da angústia dos outros e fazer teatro?
Como não substituir a palavra da boca do outro pela palavra da nossa boca?
Tal narrativa seguiria os padrões de uma conversa em curso, repleta de hesitações, digressões, fragmentos e fecundas idas e vindas. Não se basearia, portanto, na representação de uma história linear apoiada exclusivamente na representação de personagens com motivações psicológicas bem constituídas. A representação pura e exclusiva parecia não se adequar à articulação teatral que a “conversa” sobre o tema sugeria.
Daí, uma teatralidade da “não-representação”.